Educador faz avaliação sobre o Dia da educação que será comemorado neste domingo, 28

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Confira o texto de Moacir Carneiro abaixo

Do Dia da Educação à Educação de Todo Dia Os meses de março e de abril são especialmente marcantes no campo da realidade escolar: 15 de março, Dia da Escola, e 28 de abril, Dia da Educação. No Japão, a educação e as escolassão referenciadas como processos e instituições protagonistas de indução dos caminhos da nação. Dizem os japoneses: “Nós somos o que a nossa educação sinaliza e o que a nossa escola realiza”. De fato, a educação escolar é o oxigênio da sociedade do conhecimento e o lubrificante da sociedade em rede. Está presente como responsabilidade de oferta obrigatória nas constituições de todos os países paradigmáticos em desenvolvimento do mundo, além de ser assumida como alavanca social de igualdade e equidade. Nelson Mandela (1918-2013) percebeu a dimensão de transcendência da educação ao defini-la, como a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo.

O custo social da construção de qualquer país passa pelos custos da educação. Por isso, há de se reconhecer inexistir educação de menor custo. Existe, sim, educação de custo adequado em relação ao padrão de qualidade esperado.

Diariamente, quase 50 milhões de alunos adentram as nossas salas de aula. Aparentemente, estão ali aprendendo. De fato, milhões deles são apenas transeuntes nos espaços escolares: não estudam quanto deveriam, nem aprendem como deveriam. O Censo Escolar, publicado recentemente pelo INEP/MEC, revela a tragédia da educação nacional: altos índices de evasão, repetência, abandono, distorção idade-série e baixa aprendizagem de língua portuguesa, matemática, ciências e língua estrangeira. Um verdadeiro painel da nossa incompetência geral como nação e como sociedade, fato que nos joga na condição de uma cidadania menor. Consequências: de um lado, performance social crítica com inúmeras deficiências e preocupantes níveis de desempenho acadêmico nos Cursos de Graduação.Ou seja, levamos para a universidade as lacunas e vazios que acumulamos na Educação Básica. Aqui, fica evidenciada a falta de lucidez dos nossos gestores e legisladores da educação. Continuamos reféns de duas carências sistêmicas: rede de creches insuficiente para atender a demanda existente e analfabetismo em escala exponencial. Não apenas analfabetismo absoluto, com 8% da população, mas quase três vezes isso no campo do analfabetismo funcional, cultural, cívico, técnico-profissional e preditivo. É que o primeiro procria os demais! Parece que perdemos mesmo a noção de que o nosso compromisso é só um: ser contemporâneos do futuro!!

 

Diz-se, com frequência, que gastamos muito em educação em face dos resultados obtidos. Essa constatação, com ser verdadeira em termos, não o é em termos educacionais edificantes: deixa de essencializar sob que condições funciona a educação de qualidade em outros contextos. Não há como esquecer o padrão escolar médio dos pais dos alunos, da história familiar e da infraestrutura funcional das escolas. Em todos esses itens, perdemos para a maioria absoluta dos países da OCDE. Falta-nos o sentido da educação como valor social essencial. Esta a razão pela qual continuamos discutindo questões secundárias, espalhadas de forma difusa e confusa nas rotas do acostamento da educação escolar.

O direito à educação fixado na Constituição Federal (art. 205) somente ganha sentido como direito social, quando é claramente calculada “a meta de aplicação de recursos públicos em políticas educacionais”, com proporção do Produto Interno Bruto (PIB), conforme referenciado no art. 214, Inc. VI, da Carta Magna, tendo em vista dois princípios da Constituição Federal de 1988: Assegurar a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, e, ainda, garantir o padrão de qualidade. A realidade ao nosso redor revela que estamos distantes deste horizonte e que, em consequência, permanecemos mergulhados no nevoeiro denso da dissociação entre acesso e qualidade. Ora, como viver em regime de garantia plena do direito à educação quando permanecemos distantes destes dois fundamentos inafastáveis?

Achamos natural a existência de dois tipos de educação: um de escolas para os ricos e outro de escolas para os pobres, diferentemente do que ocorre nos países paradigmáticos em educação. Ali, todos vão para buscar um mesmo nível de aprendizagem. Embora haja escolas diferentes, não há escolas escancaradamente diferenciadas no resultado das aprendizagens dos alunos. Ou seja, a exigência do padrão de qualidade do ensino é universal. Em sociedades democráticas, não é possível conviver com escolas de alta qualidade, performadas em bolsões de excelência acadêmica, encorpando um sistema paralelo de instituições-boutique de ensino e escolas-galpão, quando não construções em processo de decadência física e funcional. Esta coexistência denuncia nossa miopia como sociedade: aceitamos como natural a permanência do país que é a oitava economia do mundo, incrustada no país dos deserdados social e educacionalmente.

O desafio básico para superar os entraves e as disfunções da educação do país não começa pela fixação do investimento do PIB em educação, mas, antes, pela definição do custo-aluno real na educação básica. É sobejamente sabido que os valores atuais não são consentâneos com a realidade das redes públicas do ensino que alojam a maior parte dos alunos da educação básica. Além disto, o País está longe de ser uma realidade social e econômica homogênea. Não há como melhorar os indicadores do IDEB, por exemplo, sem considerar as variações do custo aluno-qualidade de região a região. Como ocultar que em regiões como o Norte e Nordeste, este padrão de custo é muito baixo, insuficiente e inadequado para assegurar a oferta de educação dentro dos limites mínimos de qualidade balizados em copiosa legislação educacional disponível? Deste descompasso, resultam persistentemente as iniquidades regionais. É mais do que evidente que o conceito de equidade envolve custos financeiros diferenciados. Este aspecto, aliás, remete o Estado Brasileiro a cuidar, com extrema atenção, dos novos balizamentos do FUNDEB cuja lei de vigência tem limites muito próximos de esgotamento temporal. No prazo de dois anos, aguarda-se o FUNDEB com incidência sobre a questão não mais das quantidades em educação, mas de níveis crescentes de qualidade educacional. Até porque, neste item, estamos rapidamente nos distanciando de vários países da própria América Latina. Na prática, o grande desafio do Estado Brasileiro é oferecer educação de qualidade para todos. Como já se disse, ver bem não é ver tudo, mas ver o que os outros não viram.

A questão dos custos financeiros da educação com qualidade tem-nos jogado em uma armadilha visível: o Plano Nacional de Educação/PNE remete a escola brasileira a buscar, progressivamente, alinhar os resultados da aprendizagem dos alunos com níveis do PISA. Porém, nos esquecemos de que, no Brasil, trabalhamos com valores do custo-aluno-qualidade distante daqueles dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico das Nações Unidas (OCDE/ONU). À época em que foram iniciados os debates em torno do atual PNE (2009/2010), o custo-aluno/OCDE era praticamente o dobro do custo-aluno-qualidade inicial/CAQi, das planilhas do MEC.

Precisamos urgentemente desprovincianizar os debates sobre educação e entender que as limitações de aprendizagem dos alunos brasileiros têm raízes culturais, políticas e, por consequência, de indigência estruturada das escolas de Educação Básica. Na verdade, para mudar a sala de aula, precisamos mudar a nossa compreensão de educação de qualidade. E isto há de ser feito com os sistemas de ensino em movimento, pois as escolas não podem ser tratadas como lojas que, periodicamente, fecham para balanço! É inegável que há um deficit instalado de compreensão sobre como operar educação com responsabilidade republicana.

No Dia da Educação, a pergunta que a sociedade brasileira deve fazer a si mesma é esta: com que dose de futuro nossos alunos estão sendo educados? Por sua vez, cada escola deve tirar das gavetas o seu Projeto Pedagógico, normalmente esquecido, e perguntar: Como posso representar o meu tempo? Na esteira da educação em processo, há um compromisso de todos com o presente, o passado e o futuro. Por esta razão, cada Projeto Pedagógico Escolar deve deixarse impregnar de uma dinâmica enraizada em contextos. O desdobramento desta compreensão é que o currículo jamais pode ser usado como uma “grade” de blindagem do conhecimento, sob pena de a escola continuar buscando mais educação para ficar no mesmo lugar. Eis a razão por que é tão fundamental ampliar continuamente o circuito das alternativas educacionais. Assim, no Dia da Educação, mais do que em qualquer outro dia, cabe esta reflexão com alto poder de contágio positivo: O ensino não avançará nem o aluno evoluirá em aprendizagem se a sala de aula não estiver contaminado por um sentido irradiante de resolubilidade vivencial. Significa, na prática, que ou escola é para cada um, ou a educação não será para todos.

A educação se nutre da essência humana e do desenvolvimento da sociedade, portanto, jamais de aparências circunstanciais. Para mudar o jogo das aparências na educação, temos que fazer uma faxina mental e deixar de tratar as questões da educação com “puxadinhos e gambiarras”. Celebrar o Dia da Educação é uma oportunidade especial para pensar sobre ela, com mais responsabilidade pessoal, profissional, cívica e funcional, qualquer que seja a posição em que nos encontremos.

 

Moaci Alves Carneiro Doutor em Educação/Paris Ex-professor da Faculdade de Educação da UnB Diretor do Encontro de Laboratórios de Cidadania e Educação/ENLACE, Brasília-DF

 

 

 

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