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Do alto de seu prestígio no mundo acadêmico nacional e mundial, como também da condição de ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso publicou ontem no jornal Folha de São Paulo um artigo que demarca um novo estágio na crise que enfrenta o presidente Temer.
Dada a importância do texto e a sua significação histórica, segue a reprodução de alguns trechos.
“A sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos. Estes tiveram a confiabilidade destruída porque a Operação Lava Jato e outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias eleitorais, bem como mostraram o enriquecimento pessoal de políticos.
“Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáveis por eles da devida penalização.
“A Justiça ganha preeminência: há de ser feita sem vinganças, mas também sem leniência com os interesses políticos.
“Que se coíbam os excessos quando os houver, vindos de quem venham – de funcionários, de políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.
“Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessaria uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994). Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual.
“Nunca neguei os avanços obtidos pela administração Temer no Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto, ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.
“É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativos fortíssimos contra as reformas e a sanha purificadora de alguns setores do Ministério Público.
“Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os governantes dedicam um esforço enorme para apagar incêndios.
“Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo, ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário em benefício do povo.
“O imbróglio é grande. Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a responsabilidade e talvez a possibilidade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à direita.
“Bloqueados os meios constitucionais para a mudança de governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, uma proposta de emenda à Constituição que abra espaço para as modificações em causa.
“Qualquer tentativa de emenda para interromper um mandato externa à decisão presidencial soará como um golpe”.
Ainda FHC: “Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a oportunidade de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas eleições.
“Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria possível que a história reconhecesse os méritos do autor de uma proposta política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada imerecida”.